sexta-feira, outubro 08, 2010

A NOSSA FALADURA - CLIX - CHÓ OU CHOCHE

Que me lembre foram dois os burros mais famosos da Aldeia dos XENDROS: por encima de todos a burra do vellho Freitas, a quem só faltava escever e falar, o resto sabia tudo, dizia ele, que tinha o palheiro para a besta , ali na rua do Outeiro a dar para os Cabeços, quase pegado com o Chquim Gonito. Segundo o velho Freitas, a quem já conheci de bengala, mais para lá do que para cá, era a burra que o despertava, manhã cedo, para acender o lume para a ti Emília pôr os feijões a cozer, para a bucha da manhã.
O outro burro, este, mesmo burro, inteiro, ruço, orelha afitada, alto, macho assim mesmo comédado, possante, emparelhava com novilha no carro de Zé Luís Barata.
Foram muitas as vezes que lidei com ele, mormente quando ia apanhar caruma para os lados da serra, a dar vistas para a Bemposta, nos pinhais do professor Tanganho e do Silva da Santa Marta, ou, se preferirmos, Cum filhode puta, senhor que era do mais que famoso tractor fiat azul de motor à vista. ... Grande máquina... Este animal de nome 'Estudante', tirando o mês de Março em que a reprodução burreira impedia função que não fosse a do acasalamento, era duma mansidão e trato incríveis. Em Março, todavia, Zé Luís via-se aflito para o conseguir suster no palheiro. Foram muias as vezes que rebentou com a corda que o prendia à manjedoura e que com as patas escavacou a porta de entrada . Mesmo Zé Luís, nessas alturas, só conseguia pegar-lhe à noite, até que decidiu prendê-lo com corrente de ferro e freio justo no dente, cossenão o bicho deixava de conhecer o dono e tornava-se bravo que só visto.
O sexo e a reprodução , como dizia o meu querido amigo Lameiras, "tinha lá porras".
Ainda hoje habitam a aldeia netos do Estudante.
Havia outros asinos de qualidade, alguns de nomeada, fosse na jeira da lavra, no acomodar ao batorel para as donas se montarem de cernelha na albarda, na habilidade a andar para trás com a carroça, no ritmo cadenciado de tornar e tornar em volta da nora de olhos vendados, na força com que ferravam os cascos a puxar os carros com os moios da semente por alturas da acarreja,... Havia até alguns que serviam de guias a um par de cabras e umas quantas ovelhas conduzindo-as, sem o dono a acompanhar, até à Quelha Funda, ao Carregal, ao Ribeiro Cimeiro, à Lameira da Pinta, às Portelas, ao Batcharel e a mais sítios que não vem aqui ao caso. Podemos citar o burro do Rogante, imponente, que mais parecia um mulo, a junta do Júlio Aspirante, e , claro, a não menos famosa burra do Zé Borges, fidalga, que até tinha um papel de celofane verde a tapar a testeira durante o Verão, "por mor do Sol" , que nunca comia palha e chegou a trazer fraldas quando Borges queria os cagalhões para semear os alfobres. Era lavada e escovada por D. Isabel de 15 em 15 dias. Ficava a alumiar.
Estudante nunca se serviu desta donzela, que Borges guardava-a em bom recato por alturas do cio e se tinha que sair com ela, informava-se antes por onde Estudante vagueava...
Duma vez me lembro eu que o burrico do João Rela, por metade do Estudante, mas inteiro como ele, apesar de preso à ferradura do Ti Zé Júlio, enquanto a ti Isabel fazia a troca da semente pela farinha, mandou dois escritos, atirou com as angarelas ao ar, arreganhou os lábios, aferranhou os dentes e atacou a impecável burra de Borges, mostrando toda a sua membral pujança e espetando com Borges no chão no intuito de satisfazer apetências que não obedeciam a qualquer moral.
Fotografia não tenho mas imaginai o que foi um burrico de metro e dez a querer possuir uma burranca de metro e setenta.
Um fado foi o que foi e o povo a rir e a gozar à farta, Borges a praguejar e Isabel quando vem à porta e vê o estrago, deita as mãos à cabeça e « rais palira o burro e a mais o zé borges que tinha tanto caminho para passar e logo veio por aqui para me desaustinar o Mimoso. Pouca sorte a minha»
Bem que gritavam um e outro, "CHÓ BURRO, COCHE BURRA, CHÓ BURRO, CHOCHE BURRA. Nada.
Borges, que até tinha estribo na albarda, apreciava os estragos, sacudia o casaco que usava mesmo no pino do Estio, praguejava por ter sujos os sapatos reluzentes, apreciava as palhas no impecável chapéu verde garrafa, que tirava com esmero, mas não se metia no engate de Mimoso com a sua Felosa.
Lá fui eu, mais coiote pete e três dôques a ver se resolvíamos a contenda. Valeu que as rédeas eram compridas e, armados de cacetes jeitosos, lá puxamos o Mimoso que espumava e afastámos a Felosa que se tinha posto a jeito mas nunca se amagou a pontos de a cópula poder ter acontecido. Ficaram os dois mal e o mais satisfeito era Zé Borges que assim mantinha intacta a sua Felosa, lavadinha e perfumada por D. Isabel e com estribos na albarda.
Agoras sempre vos digo que burra sofrida era a de Teixeirinha que lhe metia silvas debaixo da albarda para andar sempre a galope e burra mansa como a terra e que fazia tudo o que eu lhe ordenasse era a da minha avó. Nunca lhe bati, bastava que lhe falasse e ela cumpria. Ia com ela para todo o lado, mas sempre a desaguava com umas águas ludras de vianda com farelo e , pronto, tinha o que queria dela. Se dissesse "CHÓ" estacava, Se dissesse "esquerda," parecia um soldado fiel.. Foram muitos os sonos que dormi a cavalo nela porque tinha absoluta certeza que, a partir do momento em que a virasse para o caminho para onde queria ir, ela lá me levava e parava só debaixo da figeira curiga que por lá estivesse...
Grandes animais...Estes sim, mereciam confiança...
Para bom entendedor...

XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGGGGGGGRAAAAAAAAAAAAAADDDDDEEEEE

2 comentários:

Zé Morgas disse...

"Cum filho de puta, senhor que era do mais que famoso tractor fiat azul de motor à vista. ... Grande máquina..."
Soberba esta expressão.
Como soberbo é todo o texto, carago.

António Serrano disse...

Abençoados/as burros/as que bem mereceram que ainda hoje assim se fale e escreva tão bem deles/delas!!! De boa memória, me perdôe aquele que foi Mestre de Avis e aclamado rei pela arraia miúda de antanho, bem mais rija do que aquela em que me enquadro.
Não vão merecer tamanha honra e tão boa recordação as cavalgaduras que aturamos no nosso dia a dia.
Agora para o autor:
- Que lembranças e que maneira bem escorreita de as preservar! E é bom que assim seja para nosso deleite. E dos que hão-de vir! Obrigado.