sexta-feira, junho 24, 2005

A NOSSA FALA XI - NO SEI CÁ DELAS

Eram mais do que as mães, uma alegria. Eles num lado, elas no outro. Daí a 10 anos haviam de ir todos juntos - eles - às sortes a Coimbra, aprumadinhos para a vistoria, para lhes verem o peito e um pouco mais ao fundo, cada qual na sua vez, e tal como vieram ao mundo. E também haviam de andar 3 dias a arrancar o madeiro para no dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição se exibirem no cortejo de tractores e ratataus, a tocar o búzio, e a atirar medronhos e laranjas roubadas, às mocinhas. Mas só daí a 10 anos, já Abril florido.

O Senhor Professor seguia a pedagogia recomendada para aquele tempo, rudimentar mas, parece, eficaz, basicamente assente num instrumento absolutamente essencial na arte de bem ensinar a ler, escrever e contar: uma vara de marmeleiro de metro e meio que tanto servia para apontar no quadro de ardósia o divisor, como para descer velozmente sobre a orelha do garoto que lhe chamava quociente. A aplicação do método pedagógico esgotava-se quando o Senhor Professor acrescentasse, bem alto:
- Cavalgadura! Que és uma cavalgadura…
Acontecia muitas vezes ao Zé Tronchudo.
Conformado que não havia nada a fazer pela instrução do garoto, o Senhor Professor tinha-o posto na carteira do Amândio Caga e Tosse, com autorização para dele copiar os ditados. Houve um dia em que o Zé, a copiar pelo Amândio, conseguiu apresentar um ditado limpinho de erros, e este tinha um traço vermelho debaixo de uma palavra. A partir desse dia, sempre que podia, o Tronchudo fazia questão de alardear que tinha sido mais esperto que o esperto do Caga e Tosse.
30 anos mais tarde, ainda lho havia de lembrar numa patuscada de achigãs fritos que fizeram no palheiro do Chico Picha d’Aço.

O Senhor Professor fumava muito, perto de 50 cigarros diários, marca Sagres. Os alunos já estavam habituados à sua tosse cavernosa e àquele som característico que ele fazia a puxar o catarro que se acumulava na garganta. Depois de bem puxadinho, o Senhor Professor apontava ao canto da sala mesmo por baixo do quadro ardósico e, da sua boca saía disparada uma gelatinosa massa esverdeada. O tiro certeiro alojava o dejecto numa mancha cor de breu já velha no velho soalho, tendo sempre o Senhor Professor o cuidado de a esfregar com a sola da sua sempre impecavelmente engraxada e de lustro bem puxado bota preta.

Os meninos não estranhavam. Afinal, era o Senhor Professor, cujo estatuto ombreava com o Senhor Regedor e com o Senhor Prior e com o Senhor Presidente da Junta, autoridades máximas da freguesia.

Assim não pensava a Ti Encarnação, solteirona, beata de profissão, que não tinha qualquer pejo em classificar o Senhor Professor de javardo. Isto porque ele, e a canalha, tinham a maldita balda de, nos intervalos, irem mijar à parede da sua casa.

- Não se pode lá estar com o cheiro, havia de lh’apodrecer a gaita, Nosso Senhor me perdoe.

A garotada alheava-se do debate matinal sobre o cheiro do mijo, preferindo dedicar-se aos joguinhos e às brincadeiras habituais.

O Albano Caipila e o João Mamanaburra jogavam ao espeta, com uma lima de afiar os serrotes.
Uns quantos jogavam ao burro - os que amochavam perdiam se alancavam e tinham de voltar a amochar.
Outros tantos jogavam ao eixo – a habilidade estava em dar toque no cu do saltado e em cantar a ladainha:

eixo rebaldeixo, escaramela o pau do eixo, um por um, dois bois, três inglês, quatro arroz no prato, cinco no cú to finto, seis maria do reis, sete dá cá o canivete, oito biscoito, nove vai dar a esmola ao pobre, dez burro és, onze os sinos de Mafora são de bronze.

O Zé Estroncabrochas, o Tó Espanta Mulas, o Quim Batemuma e o Manel Espantado competiam ao quem mija mai longe. Com a mão a apertar a gaita – cada um a sua – tomavam uma espécie de balanço com um movimento do cu de trás para a frente, aliviando os dedos na posição mais dianteira, por forma a conseguirem esguichar a água uretral o mais longe possível. A cada esguichadela iam todos conferir, mas sem nunca largarem o pirilau, para não se desperdiçarem munições.

O Chico Esfolagaitas, garoto franzino e rodas baixas como o pai, tentava safar-se do garrote que o matulão birepetente Zé Maria Traitouras lhe estava a fazer, a cobrar uma dívida antiga de 2 tostões:
- Ou me pagas o que deves cabrão ou arrebento-te a alma.
- A minha mãe deu-me quatro tostões para comprar açúcar, se tos dou, ela dá-me uma malha.
- NO SEI CÁ DELAS. Ensinei-te o ninho da cotovia, agora pagas.
- Dou-tos para a semana, eu seja ceguinho.

O Senhor Professor assoma à porta da escola e fez soar a sua autoritária voz grossa:
- Ó Esfolagaitas, toma lá um cruzado e vai lá abaixo ao povo a comprar-me um maço de cigarros Sagres. Vá! Vais num pé e vens no outro.

8 comentários:

Anónimo disse...

O método pedagógico era simples mas pelos vistos era eficaz.
E actualmente? Tanto progresso, tanta técnica, será que o instrumento pedagógico mais eficaz se resume à vara de marmeleiro?
O problema está nos meninos, nos professores, no sistema, no governo, em todos... e quem põe ordem nisto?

Anónimo disse...

O V.Lemos deve ter a solução...

Anónimo disse...

A verdade é que hoje em dia não se pode, sequer, levantar a voz aos meninos na sala de aula, sem que venham logo alguns pais escamados a insurgir-se contra o professor e a ameaçar com uma queixa em relação ao mesmo. Reconhecendo a necessidade de acabar com exageros que hoje seriam descabidos e inadmissíveis, acabou por se perder a autoridade dentro da sala de aula. Muitos meninos são insubordinados, mal educados, impertinentes e tudo isso com a "cobertura" de alguns pais que se demitem das suas funções de educadores e entendem que a responsabilidade pela educação e formação cívia e moral dos seus filhos apenas cabe ao professor mas ao qual não reconhecem os meios, por vezes necessariamente repressivos (com determinados limtes, é certo, sem violência) para o exercício capaz dessas tarefas.
Quando os pais criticam os professores em frente dos seus meninos, estes sentem as "costas quentes" e isso reflecte-se no respeito, ou falta dele, para com o seu educador. E quando existem professores que se coibem de responsabilizar os seus alunos com "medo" do que eles ou os seus papás possam fazer ou dizer, temos de concluir que algo vai mal no reino da educação.

Anónimo disse...

Sou o mesmo anónimo do comentário anterior. Agora para dizer que me diverti a ler o texto que deu azo a estes comentários. Gostei. Afinal, um texto divertido e ligeiro que nos pôs a falar sobre questões sérias.

Anónimo disse...

Quando, lui, li também não vi, mas ela sofre e eu não a posso ajudar, mas ela sofre, por favor, és o único que a pode ajudar nesta prespectiva!

Anónimo disse...

Vamos lá vere. ee o que E`o metedo pedagógicxi! Sewrá algo que os alunos não sentem; ou será algo que os alunos não veem. Sinto-me bem, estou "cota" e sei tanto do metedo pedagogico, como tu! só me falta o a cento! Já fui aluno e adorei, o único metedo pedagogico que vi foi, " como detestava estudar>" aprender com aqueles que me ensinavam e adormecer com aqueles que não me diziam nada de novo! Podiam ser as aulas mais assombrosas, e ás vezes eram mas depois alguem gritava tá no intrevalo! Vamos por um GNR antes de cada asubiu, a dizer a ssenhora porfessora, è que ssábe, e a que sse não, eu é que soou da GNR e não estoou preparado, para distingir o que é azul, sei lá de que cor é o dicionário. Por favor Ajudem-me eu sou Prof; e não fui á Tropa! Hoje em dia isto tambem é verdade.

Anónimo disse...

Ser Professora,não é facíl. Facil é não ter acento, e ser Professora. Não se sente a responsabilidade. Não é? Claro que não, Só estás a "complicar", Eu? Porquê? Concelhos pedagógicos, com "tearrotrialidade" Bê definida. O que é que este gajo sabe sobre o assunto! Nada, mas no meu tempo os Prof. com a sua sabedoria é que "ás" vezes assustavam? alguns alunos, não eram os prof. que ficavam assustados.

Anónimo disse...

Lapaxeiro, gosto de te ler, mas olha, não penses que me estou a meter contigo. É só para saberes que ou foi uma chiclete ou os apontamentos do "José Hermano", mas engu"liste" qualquer coisa! vê lá.