terça-feira, setembro 06, 2005

A NOSSA FALA XXIV - TORGALHO

Era engraçado o raio do garoto...Nunca tirava as mãos dos bolsos. Contava histórias e mais histórias, ria-se antes do fim e, em vez de ajudar, empatava.No tempo da azeitona, punha-se junto das mulheres, em cima do fato, pisava a azeitona a passear dum lado para o outro ,tingia os toldes e, ainda a manhã ia a meio: "Tenho fome! " Estava tudo trabalhado! Quando este grito soava, pronto! havia um que tinha que largar tudo para alimentar sua excelência.
Sabia tudo de cor: equipas de futebol, programas de televisão, nomes de telenovelas, marcas de sabonete, cores das bandeiras, tipos de queijo francês, marcas de vinho portugueses, as províncias de espanha e até as quatro dinastias com os reis todos seguidos, embora às vezes na dos Filipes se enganasse, porque o nosso primeiro era o segundo deles, afluentes dos rios principais da margem esquerda e direita, sistema das serras, identificação e altitude, e, pasme-se, linhas e horários de combóios, para além, é claro, da estação de comboio mais perto de qualquer rua de Lisboa. As velhas pasmavam! Se começavam uma cantiga, ele arrematava logo que a Gina Maria a tinha gravado, que o Pissarra é que a cantava bem, ... - que sei eu? - e se o assunto virava para problemas sociais, tipo fome no mundo e miséria à porta de casa, aventava com estatísticas tais, que todo mundo se deslumbrava. A do Vigura até dizia: "sabe tralha, o garoto, é mesmo um torgalho, tem graça! " Quem não achava piada à história era o velho comandante:« pouca conversa com o garoto, FAAAAAAAATTTTTTTTOOOOOOO! Muda-te! Ó mulheres! rais partam tanto palavrear! a minha mãe é que tinha razão: " às mulheres, ainda que lhes cortem metade da língua ainda falam o dobro do que deviam". E virava-se para o cachopo: «vai-me além a buscar uns nagalhos que preciso deles», isto a ver se o despegava das mulheres e de cima dos toldes onde esborrachava a azeitona toda: «raios o afundem, pensa que o lagar já é aqui! Ah! tempo. ! » O lã branca desce-se da escada, faz a muda e ala, vai-se afastando para a moita. O Comandante viu-o: « oh! lã branca, onde pensas que vais?- "Ò ti joão, vou só aqui a aviar a vida! " E o velho: « Caga já aí e limpa o cu a um torrão! assim nem daqui a dez dias colhemos a azeitona! CHOVA! CHOVA!»
Pior, pior, foi ao almoço! Ao meio dia comandante dá a ordem: «Vamos à bucha! »
Zé Luís, Chibarreiro, Mija a Parede, Pirolito, Cão Reles , Roupinha Afineda, nosso Fernando foram ao regato passante lavar as mãos, as mulheres foram pelas bolsas da merenda e todos se foram chegando ao lume.
E vou eu:« Não é preciso abrirem as bolsas. Há aqui almoço para todos.» O comandante: «é a despachar, que o patrão é pobre!» e eu: «calma: a hora de comer também é paga!» e o comandante: « o comer azeda, o trabalho não, há que comer depressa para não azedar e irmos ao trabalho! »
O garoto, entretanto, tinha estado na carrinha a ouvir o rádio e quando viu o maralhal junto, logo se chegou!
«Quantos metros cúbicos de água debita a barragem de Idanha no ponsul?» perguntou
e o comandante: « olha lá: com quantos dentes nasce um cabrito?» a malta riu... o garoto encavacou! Diz a do Alguitarra:" o garoto é torgalho mas o comandante chegou para ele!" ; A do Lavra Miúdo pisca o olho ao garoto e diz-lhe, sem o comandante dar conta: «vai além ao Furdas que ele diz-te. » O garoto foi e diz ao velho: «nasce com oito.» E o velho:« de cima ou de baixo?» e a do Lavra Miúdo: «trabalhou-o!» O lume crepitava, o entrecosto desaparecia, a farinheira era um regalo e a morcela foi um ar que lhe deu. Ia eu a botar a segunda roda de copos quando o comandante: «imbora que a cegonha já fez o ninho na escada! »
Aí, a Café triste, neta do comandante:" rais ma partam: atão estive onte à noite a friter umas petingas que estava cos desejos e agora não as provo?"Vai-se à cesta e lá vem a malguinha com as sardinhas: eram 14. E vou eu: «Ó filha do diabo, tu eras capaz de comer estas catorze sardinhas, fora o feijão ciclista?» "Cala-te, o´rapa o tacho, que eu trouxe a contar contigo!" O garoto aproximou-se e deita as unhas a uma mão cheia de sardinhas e devora-as num ai!
Diz a Maregas: «Eu comia durante uma semana com essas sardinhas»! e a do Lavra Miúdo: « para mim e para o meu dava para um dia». A Café Triste não gosta nada da conversa e desafia o garoto:´«ó torgalho, bota aí mais uma das tuas a ver se endrominas ali o velho comandante» .
O garoto sentiu-se animado e aventa com esta:
« A ver se percebeis :Vou-vos contar a história do CÚMULO dos cúmulos: no tempo em que os animais falavam e os mulos e as mulas também botavam"gente" para o mundo, o mulo com a venta arregaçada e os dentes luzidios àparte uma fiada de erva que teimosamente persistia encravada entre os prémolares, excitado pela urina da mula morde-a no pescoço, relincha e dá quatro pinotes e meia dúzia de escritos para o ar, deixando tudo aparvalhado.»
Vai a do Lavra Miúdo: "eu é que estou aparvalhada com este palavreado"! logo a Café Triste:« ó fardo, tu não ouves o comandante?! despacha lá a história cassenão ele ao fim não nos paga a jorna». "Pronto", diz o Torgalho. E continua:« o mulo pôs-se na mula assim comédado mas não acertava com o barómetro no mijateiro da mula... E vai esta: tu não vês que isso é o CÚ, MULO»?!
" Já acabou?" pergunta a do Alguitarra, e a do Lavra Miúdo igual: pasmada e pasmona! A Café Triste, que tocava a ciranda como nunca vi a ninguém, enquanto cantava : Ai o Sol quando nasce inquilina/ Ai às pedras do meu balcão/ também eu in(qu)ilinei /aos teus olhos, ó João... Ai o Sol quando nasce inq(ui)lina/ ài às pedras do meu anel(i)/ também eu inq(ui)linei /aos teu olhos, ó Manél(i) ,de repente, põe-se a rir e vai de explicar às outras a história do torgalho. Elas, incrédulas, a pouco e pouco, lá foram entendendo, mas rir riram pouco: isto do pudor ...até mesmo com os cães que fazem à vista de toda a gente é preciso revirar os olhos que é pecado!
Nisto, o comandante: FFFAAAAAAAATTTTTTTTTOO! MMMMMUUUUUUUUDDDDDDAAAAA-TTTTTTTEEEEEEEEEEEEEE! Mulheres! ó mulheres ! rais parta tanto paleio!E a Café Triste: «Ponha-se manso que inda nunca lhe faltou fato. só sabe é espantar os pardais.» e brada também: "CHHHOVA!! CHOOVVVVVA!" Nosso Fernando:" é chapada esta, faz mangação do velho e ele cala-se" Se fosse noutro tempo, encorria-a à pedrada!"
O garoto, sempre de mãos nos bolsos vem ouvir a conversa dos homens e fica-se por ali... O velho chama-o: " ouive lá! tu és novo, tens muito que aprender! se quijeres!: a gente quando tem um rancho a trabalhar para nós é sempre o primeiro a fechar a navalha.Viste!? eu colhi uma muda antes de elas cá chegarem... E depois não sejas como as mulheres: ainda que lhe cortassem metade da língua que têm, ainda falavam o dobro do que deviam; olha que nosso senhor te deu duas orelhas e só uma língua e isso quer dizer que deves ouvir o dobro e falar metade! O importante não é dizer o que sabes, mas saber o que dizes. A vida é filha da puta e ou abres a pestana ou te passam a perna». Eu estava por ali e pensei: é filósofo, o raio do velho.! tem tarimba! e viro-me para o garoto: "Não sejas torgalho"!

15 comentários:

Anónimo disse...

Tá certo, mainada!

Anónimo disse...

Escrevo, sem assunto é verdade aqui estou preocupado com nada, só estraviado por culpa propria, rigorosamente solitário, cheio de lágrimas, de crocodilo, todas do je. Não é facil senti-las correr, muito menos pousar, em cima quando ainda são gotas. Depois fechamos os olhos duas ou três vezes e sentimos o empastelar das pestanas a dizer já passou, a musica tambem muda e esboçamos um sorriso, só nosso, mas só um sorriso.

Volta uma musica cùmplice e repete-se a estória, ficas assim parado sem e no entanto escreves? claro já passou essa fase da treta, depois ouves o transito na RFM, ouves o nome daquela rua de onde saias ás 09.30, pra voltar ás 17 e prontos. Isso foi há nove anos a opção foi tua, toma juizo.
Máis? não percebo? "dobra-te" animal, se não queres, vái-te já. tá bem tá bem tá bem, já percebi, mas dobra-te tu ó filho da puta eu não não me dobro, "cassenão" levas mesmo.( nunca chapei ninguem a sério ), mas ando a ficar conhecido por tcapar? não me thapem é a mim, vou-me já, até mai logo.

Anónimo disse...

Não é facil changoto, o sistema já é um polvo a nivel nacional como sabes, certamente, agora dentro desta pequena vidinha, deste mediéval Burgo, tudo é mais dificil. Mas eu não cedo Juro, e não sou o robin dos Bosques. Graças tambem ao peixeiro que cá vem vender peixe, ás vezes, a minha mãe diz que tem polvo, modéstia á parte, faço um polvo á lagareiro razoável, um dia destes vens ao barraco, falas com a gente karraio, faço eu o polvo. O sapador já devia ter um peseudónimo, ainda não tem mas tambem vem.

Anónimo disse...

o mundo é dos trogalhos...
um especial "bem-aja" ao changoto
por nos recordar as nossas raizes a nossa gente...estorias que nunca se esquecem....e nos ensinam a sobreviver....e a viver....

Anónimo disse...

Exemplos de torgalhos:

Valentim Loureiro

Anónimo disse...

Domingos Torrão

Anónimo disse...

...e restante equipa de seguidores...

Anónimo disse...

Não vamos agora estragar este espaço introduzindo temas de baixo nível ou falando de coisas menores, não acham? Por favor, política não! Senão for incómodo, procuremos manter-nos puros, genuínos, sãos e imunes a politiquices. É uma sugestão...

Anónimo disse...

Peço desculpa pela falta de correcção final: não é "senão" mas sim "se não".

Anónimo disse...

tavamos a falar de azeite ...não de azeiteiros

Anónimo disse...

ai comandante do inferno!

Anónimo disse...

continuem que isto tá animado...

Anónimo disse...

era para não ficar em 13 que dá azar

Pôitão Deslargado disse...

Abendsoado seja este cantinho e sejandes todos vós! Por vez primeira atrevo-me a dizer com a maior das convicções (munto humildemente, principalmente comigo mesmo) que a "virtualidade" conseguiu criar um cantinho eufémico bem mais simpático do que o crú canto situado na realidade. Um cantinho que mais parece um canteiro de flores esplendorosas a soltarem o seu aroma agridoce, um odor campestre com um cheirinho a nostalgía, a revolta e a bagaço. Um grito suave e meigo entrecortado com sorrisos malandros e, embora seguro no conforto do anonimato, repleto de vontade de fazer-se ecoar. Um cantinho repleto de aparentes lâmpadas luminosas e civilizadas, cume ao qual só os grandes observadores conseguem escalar. Interiores escarrapachados ao público com simples e precisos movimentos dos dedos, aí permanentes à espera da solidariedade de outros que por eles se possam e queiram interessar nem que por breves instantes seja. Deixo uma questão muito pertinente sob o meu (quase)insignificante ponto de vista: Quéd'essa luz e essa força no terreno? Na vida real? Não continuemos a dar vianda aos porcos...! Façamos esforços, inda que de forma subtil, e partilhemos as nossas pérolas com eles. Pode ser que aos poucos consigam começar a fazer colares e, consequentemente, a dar um pouco de brilho às vaidades da sua adormecida inteligência.
Pôitão!

Pôitão Deslargado disse...

Foi um desafogo. Desculpem qualquer coisa.