terça-feira, outubro 18, 2005

A NOSSA FALA XXXII - IMBURRENTE

Entrávamos por trás. Nós os da primeira classe íamos a dar a volta à escola. As meninas, essas entravam pela frente: subiam as escadas,viravam à direita,subiam mais uns degraus,atingiam o alpendre e entravam na sala. A escola tinha sido mandada construir pelo pai da própria professora que assim tinha o lugar garantido. Ela e o marido. Este recebia os mais velhos.Tinha uma nespereira que dava sombra ao alpendre. Ai de quem tocasse numa nêspera! Até me lembro aqui do exponencialmente belo poema de Mário Henrique Leiria: "Uma nêspera estava numa cama. A velha chegou, viu a nêspera e comeu-a. É o que acontece às nêsperas que ficam na cama à espera do que acontece."
Bem, ... mas nós entrávamos por trás. Ficávamos na sala do meio. O professor era ele também novo: tirava o tirocínio connosco. Novos, mesmo novos, éramos vinte e oito. Depois, havia alguns repetentes:Lembro-me de dois: o tonho maregas e chquim passarinho. O maregas ainda por aí anda e ,cantoneiro, dá as curvas na mota sem virar o volante inclinando apenas o corpo. São mais que muitas as quedas do Spínola, nome por que também é conhecido. Passarinho, deixei de o ver. A avó dele era quem ia buscar os meninos ao Fundão. Lembro-me bem de quando, sempre queixosa, junto com a Rosa Rei, iam comungar e a língua dela era uma perfeita almofada de carimbo. Sempre tingida por mor das aftas, dizia. Havia ainda o Jolim da pata branca, tinha-me esquecido,vizinho do passarinho e do comandante. O pai era alfaiate. Está bem. É inspector do ministério do trabalho. Especialista em Finanças.
O professor entrou, colocou-nos nas carteiras, mas pôs logo Passarinho à frente, em frente da secretária e maregas, mesmo ao fundo, na última carteira, encostado à parede. Maregas já tinha o livro usado.O nosso até reluzia. Tinha as vogais na primeira folha: uma águia para o A, uma égua para o E, uma igreja para o I, um ovo para o O e uma uva para o U. Mascarilha repetia naquela voz grossa: A E I Ô U. Nunca lia um Ó aberto. Era sempre fechado: Ô. Jolim dizia: ó tonho, porque é que tu és sempre IMBURRENTE?. É Ó porra!, não é Ô! Mascarilha lá retornava: A E I Ô U. . . Sempre na mesma marcha. Duma vez dei-lhe uma malha junto à mimosa das escolas novas que agora já não são porque está lá a junta, tal como nas velhas parece que vai estar o centro de saúde. Se não fosse a irmã que casou com o Espeto, escarchava-lhe as ventas.
Passarinho ficou encarregado de arranjar uma vara para o senhor professor: foi roubar uma cana da Índia. O professor perguntou-lhe onda a tinha arranjado e arranjou logo sítio onde a estrear. Coitado do Passarinho: trouxe uma vara impecável e logo a provou na hora.
Eu- Rapa a unha -, coiote pete, sapo, baboso, contramestre, bolas, pito encouro, pinga, portas, filho do chico mai novo ou chiquinho, césaro, chamiço, varinha, jota na bata, planeta, zé pcanino, montes hermínios, mija a parede, domingos da portela, alguitarra, modas, mó, bugalha, cachiço, pote, barrigana, zé A, velho jonja, - julgo que os citei todos - caladinhamente dissemos: Bem feita! Não tiveras arranjado a vara.
Contramestre era também IMBURRENTE. Mais até que IMBURRENTE era ACUSA CRISTOS. Nunca estava de acordo com o que queríamos jogar no intervalo. Havia de ser sempre a ovelha ranhosa. Valia o Modas que se chegava a ele, olhava-o de frente, fechava o punho por debaixo do queixo e: ou jogas ou parto-te os cornos, meu IMBURRENTE de merda! Pronto! O modas dava no focinho a todos e o contrameste nem que fosse CONTRA riado, lá alinhava.
O alinhamento dos lugares foi sofrendo alterações sucessivas: utilizava-se a técnica dos postos militares. Cada um de nós tirava à sorte o posto: sargento, capitão, general,... A seguir começava a guerra : o do posto mais baixo desafiava o de posto mais alto e trocavam no caso de o david vencer o golias. Se quem desafiava, perdia, o ganhador tinha que lhe dar umas valentes reguadas. E não podia ser a fingir, senão o professor chegava-lhe a ele comédado. Se o desafiante ganhava, assumia o posto mais elevado e o perdedor para além de umas reguadas valentes, ainda aturava o chá da verborreia professoral. O problema era quando se tinha que bater no Modas. A ameaça estava sempre presente: "lá fora já as comes".
Também eu hoje quis ser imburrente (esclareça-se que esta forma de falar é uma degenerescência da palavra embirrante) sobretudo por causa de umas amostras de alcunhas que alguns textos atrás alguns comentadores se entretiveram a enumerar. Aqui, de repente lhes dei trinta e uma. Para além de nenhuma ser repetida, não cobro cachet, nem vou chamar o modas para vos arrear na incompetência. Reduzo-vos a soldado fachina, varredor da parada. Sou ou não IMBURRENTE?

14 comentários:

Anónimo disse...

Não vou entrar nessa de enumerar, de novo, algumas das alcunhas mais caricatas da Terra, o Changoto, arrumou-me a um lado!(trinta e uma não repetidas, e algumas de mim desconhecidas, é de se levantar o chapéu!)O Mestre tem sempre razão...vou partir mais sobre o tema da Educação de ontem e a de hoje. Se há 25 anos atrás se pecava pela palmatória, o que faz falta hoje é uma disciplina mais rigorosa...as crianças de hoje, expostas a uma sociedade de globalização,à violência na T.V, já pouco sabem o que é o respeito pelo professor, pelos colegas, pelas instituições e pela vida. E isto vê-se pelas brincadeiras que têm nos recreios. já não brincam aos soldadinhos, sargentos e generais, jogam à porrada (literalmente), agridem-se verbal e fisicamente, insultam os adultos, cospem-se em cima e isso, cada vez mais novos.Andam completamente desmotivados, desinteressados e indisciplinados. Alguma vez um aluno de há 25 anos teria respondido num tom irónico ou agressivo a um professor? Alguma vez se levantaria do seu lugar sem pedir licença ou interromperia o professor com gracejos, gargalhadas, gritos ou despropósitos? A Educação começa em casa, e infelizmente, os educadores de hoje (pais e familiares) não têm tempo para os seus educandos, entre as correrias do emprego para casa e as telenovelas ou jogos de futebol. É uma pena ver que se perdeu o respeito e que a figura do professor deixou de ser uma referência para as famílias. É verdade que a disciplina era rigorosa demais, que havia, muitas vezes, abusos de autoridade, mas também havia respeito, companheirismo, amizades, VALORES, aprendizagem e um crescimento saudável do Ser como pessoa. O professor era temido e marcava-nos pela positiva, ou pela negativa, MAS MARCAVA.As crianças de outrora tornaram-se pessoas com carácter, homens e mulheres que fizeram história. Lá estou eu outra vez com o meu saudosismo exacerbado...é que quando vejo alguns dos adolescentes de hoje temo pela sociedade de amanhã. A minha única esperança é estar completamente enganado!

CanisLupusSignatus disse...

Normalmente apenas comento as estórias. Normalmente abstenho-me de comentar comentários. Mas hoje o lobo coloca uma pata do lado de lá da fronteira só para concordar com o amigo lapaxeiro! Não há dúvida em relação à qualidade e riqueza destes textos. É apenas uma questão de tempo... Se até o "pipi" publicou o seu livrinho...

Um uivo de boa noite!

CanisLupusSignatus disse...

Só mai uma côsa! Presumo que tenham notado a alteração visual do "nosso" contador de visitas:). Se "clicarem", passo o termo, no citado contador poderão ter uma noção estatística das visitas a este blog! Andandende, clicandem!!!

Anónimo disse...

Primeiro: onde diabo está contador, que eu não o encontro?

Segundo: tenho ouvido e até utilizado muitas vezes a expressão que dá título ao texto, mas na versão "imbirrente".

Anónimo disse...

Não querendo ser "imburrente", eu também gostaria de ver um livrinho com estas "estorinhas" e outras publicado pelos nossos bloggers! Eu compro!!! Seria um contributo patrimonial precioso para todos os que não se lembram dos acontecimentos de há uns anos atrás. Força Changoto e Karraio, estamos convosco!

Anónimo disse...

Eu também compro, mesmo que não dê desconto para o IRS. Mas depois quero uma dedicatória personalizada para mostrar aos colegas e amigos.

Pegando no que disse o Lapaxeiro e lembrando-me de qualquer coisa que deixei num comentário algures, que bonito seria ver alguns desses episódios vividos na nossa terra, representados em palco, quiçá em Aldeia do Bispo quiçá nas antigas Escolas.

Anónimo disse...

Alguém tem uma "cunha" numa editora? Para haver edição de obra escrita é necessário editora. E que tal iniciarem contactos, mandarem alguns textos? O repto vale para os autores mas também para os comentadores.

Anónimo disse...

Se sair antes do Natal já não preciso de me preocupar com as prendas !
Já têm filhos e isso não é fácil, certamente já plantaram mais do que uma árvore e isso também pode ser complicado,agora publicar um livro deve ser "canja"! Já estou a imaginar a sessão de autografos no dia 25 de Dezembro, isto é que era lindo !

Anónimo disse...

O meu proximo com. ia incluir, xendro já palrou, tarde mas como sempre ainda a horas, já não palro eu. Era um chamamento que porventura, ainda farei, talvez. Agora faz-me um favor não me lixes as deixas! as minhas deixas! Se não, vais tu pra Ponto! Saudades tuas Xendro, como tu sabes, sempre, és "my best friend". E isso não se vende. Agora novidades, vais ao Post. Anterior.

Anónimo disse...

A tua pena, sempre pensei que fosse só TIR.., ou por via da capa da nossa liberdade, vendida aos 7 mares, "sempre sem acento" ficamos, pouco a pouco, mais longe, de nada ou seja de qualquer coisa, que eu vi á vinte anos, é muito tempo, não é o tempo todo do mundo, mas é algum tempo, para mim o tempo de uma vida, ou duas, ou três, pra ti uma vida, e isso eu nunca respeitei, nunca vi com olhos de ver, continuo a ser "Iguista", muito, são as minhas defesas! temos valores iguais, mas "Iguismos incompativeis".

Anónimo disse...

Ás vezes somos levados, e quando abrimos os olhos, não sabemos, onde andamos. Isso não é bom nem mau, é sempre assustador, quebram-se regras e valores que o "status quo", ás vezes não domina, era o grupo do meu tempo 12º caninhas, Penamacor, nós também queriamos um padre, 19 anos, agora queremos um seguidor apostólico, que não nos venda em demasia aquilo que já compramos á nossa maneira, com o dinheiro que na altura tinhamos disponivel, queremos, é o resto que ai tens de borla, só pra nós.

Anónimo disse...

nÃO SEI se responda ao livro do Lapaxeiro, e á fuga do bacano, que não passou o arco da aldeia por dois dias, ou ao cheiro a tabaco que transanda aqui, neste quarto da net? em qualquer dos casos espero que o hugo boss, não ande-se metido com ele, gosto de sentir a pele das mulheres no sitio, por cima das mamas. E com muito calor, e se não for pedir muito, com Espasmos, que fazem as ditas parcer maiores, mas não morrem. Bem o escrito do Lapaxeiro estáva lindo, por isso ficou, mesmo muito bom, juro adorei, o Bacano da maça fez-me rir e pensar, sacana tem um jeito do caraças. Mas um bom guarda-redes, não faz de nós um bom avançado, falo por mim.

Anónimo disse...

Fingir, doi é sentimento, que não controlo, tem dor que não controlo em demasia, EU sou perito nesse tipo de dor, deve ser destino, ou então sou imune á gripe das aves, porra, porra, morram vocês com essa gripe, que eu tenho muito que fazer. Esqueçam este momento triste, tomem, quidado, Espanhol, digo eu, que raio já não há conversa, pelo menos á primeira, pois é um assunto de blog terrivel ser citadino, porra quando for grande não sei se quero ser citadino? (LISBOA). Unica cidade que nos tira do interior, pelo menos do interior deste Blog, ou que resume este pais a uma cidade, tão giro, ser-se um pais uma cidade, como é lindo ser-se mais forte em Lisboa, Lisboa abriu-me as látas e eu fiz um pacto de morte com ela, a minha vida profissional, toda a minha vida ia ser consumida por ela. Tontinhos para não dizer outro nome, tudo depende daquilo que quizer-mos aos 65, recordar as nossas décadas durante uns segundos, ou durante claro também uns breves minutos. Mas "depoius", no momento final, sim fui um individuo com felicidade! ou sim tenho aqui com muito orgulho esta filicidade, mas vendo-te antes a minha e vais muito bem servido! Nà, tenho que ir ainda hoje a Lisboa Tou cheia de encomendas, tu dás muito trabalho, mando cá um colega amanhã! è Tão simples. Mas Porra. Duras mais um dia, e não és só feliz és feliz com Orgulho. Porra.

Anónimo disse...

A coisa me me dáva mais gozo como aluno, era sentir o pulso do prof. só por prazer, nunca fui prá rua, nunca fui, mais irónico do que o professor, alguns não tinham piada nenhuma. Tudo isto no primeiro dia de aulas. Depois o resto era consequência. Podia estar aqui dez horas, mas está a tocar prá saida.