domingo, novembro 27, 2005

A NOSSA CRENDURA -I

Lembrei-me de trazer à mnese algumas crenças, crendices, lengas-lengas, rezas e outras tradições que o tempo vai apagando na inexorável sucessão de dias e noites. " Cada noite páre um dia" e "porque atrás de tempo, tempo vem" a verdade mesmo é que, aos poucos, algumas formas de estar e viver se vão esboroando, ruindo anacronicamente e, ao fim, desaparecendo. Não vamos ser lamechas com uma ideia de um retorno ao passado, ( o sebastianismo é tão típico português!...) mas também não vamos condenar à partida quem tal não merece. Aprendi com Sophia que o decisivo é "ter saudades do futuro" e que, ao contrário de Joaquim de Carvalho, que defende que a saudade é exclusiva do povo luso, no seu Ensaio sobre a Saudade, mais próximo fico do professor Lloyd, que vê também a saudade no gesto feliz de um cão ao abanar o rabo, qual limpa- pára- brisas em dia de chuva intensa, ao ver o dono, mesmo que seja anos passados, como o demonstra claramente o de Ulisses quando, incógnito, pretendia entrar em casa para aquilatar da fidelidade da sua Penélope, vindo da sua Odisseia.
Dizem os nossos companheiros menos novos que" o tempo tudo leva e tudo traz", o que, bem vistas as coisas, não é em absoluto verdade, porque muito do que vai nunca mais volta.
Comecemos por uma lenga lenga:

Sarra madeira
no cu do zé Peneira
lá vem o leão
c'a tranca na mão
feijões p'ra mim
cagalhões p'ra ti

ou estoutra

pipa nova, pipa velha
foi ao mar arrebentou
aqui está meus senhores
quem se cagou

prossigamos com uma oração:

nesta cama me deitei
sete anjos nela achei
três aos pés
quatro à cabeceira
Nª Srª à dianteira
Nª srª m'apareceu
e Nª srª me disse
tu drume e repousa
não tenhas medo
de nenhuma cousa


Mas... baságueda, sem estória, perdia a tarimba. Cá vai ela:
Nosso senhor encontrou-se um dia com o diabo. Rivalizavam entre si acerca de quem era o mais poderoso e o mais esperto. Iam caminhando e chegaram a um chão todo cultivado, onde reverdesciam umas batateiras de " alto lá com elas". Diz Nosso Senhor para o diabo:« Vês aqui esta magnífica plantação?» « Claro» , disse o diabo.
«Então dou-te a escolher : queres ficar com a parte de cima ou com a parte de baixo ?» O diabo vendo a viçosidade das batateiras, floridas e com muitos frutos pendentes, apressou-se: "quero por cima!", Nosso Senhor disse-lhe: «então: está bem. Quando vires que estão capazes, ceifa-as e recolhe-as que eu cá virei buscar o que ficar por debaixo da terra,.» O diabo aguardou mais uns dias, poucos- que a pressa de ganhar o cegava - e ceifou a rama da batata. Nosso Senhor passados dois dias lá apareceu e arrancou as batatas, encheu o forro e comeu durante todo o ano, enquanto o diabo via as folhas a murcharem e os frutos a não ter qualquer utilidade.
Furioso dirige-se a Nº Senhor: "Tu já sabias. Tens que me conceder a desforra. " Nosso Senhor pediu-lhe que escolhesse o que quisesse. O diabo encontrou uma seara já com as espigas pendentes. Disse então: "Vamos apostar sobre esta seara." Nosso Senhor lá o convenceu a esperar um pouco até que acabasse de comer e dirigiram-se para a seara. Chegados ao sítio de onde a seara proporcionava melhor vista - o chamado PENEDO GORDO - o diabo propôs:" vês esta seara? Eu agora quero ficar com a parte de baixo". Nº senhor concordou. Quando o grão já estava grado e bem sazonado, Nº senhor ceifou, levou para a eira, malhou e arrecadou. O diabo esperou mais uns tempos convencido como estava que o fruto agora iria engrossar ainda mais e por fim decidiu-se a arrancar o restolho. Constatou que mais uma vez se tinha enganado. Como não tinha vergonha nenhuma e perder era o que menos queria - a vaidade emerge sempre -,voltou junto de Nº Senhor: "Até aqui foi a brincar, mas a partir de agora é que vai ser a sério. Quem ganhar desta vez é o melhor de nós dois". Nº Senhor, impávido: « escolhe o que quiseres" . O diabo esperou que as árvores florissem, e:" O que primeiro comer um fruto de árvore é o melhor"! As amendoeiras estavam todas floridas, naquele espectáculo magnífico que conhecemos e, logo o diabo: "quero ficar com o fruto daquela árvore" . Nosso Senhor: «Pronto, de acordo»!
O diabo, para aparecer logo com o primeiro fruto e poder cantar vitória, montou cama debaixo da amendoeira e nem de lá saía. Só que, entretanto, Nosso Senhor foi comendo nêsperas, macãs, pêras e o que mais de fruta havia e até oferecia ao diabo, que raivoso, roía as unhas até ao fundo do dedo.
E, já agora, ficais a saber que para sacar carapetos de silva do calcanhar , o melhor que há é unto sem sal. O unto sem sal é enxúdia de galinha doméstica guardado em papel de cartuxo em buraca onde rato não entre.
Para tirar espinhas de chicharro espetadas na garganta, nada que chega a papas de linhaça a ferver onde a pessoa se senta e ao gritar por causa da escaldadela, expulsa a espinha. Outro dia logo vos conto esta história...

7 comentários:

Anónimo disse...

Gostei! Sim senhor, eu de lenga-lenga não sei muitas, as que sei não são em português, mas aprecio muito estas coisas, agora estórias até sei algumas, que herdei do meu pai que é um contador exímio deste género de estórias, mas infelizmente, não vou ter tempo de agora aqui as contar, só dei um saltinho ao blog para espreitar A Nossa Fala e os respectivos comentários. Um dia destes, talvez partilhe alguma convosco, prometo!

Anónimo disse...

O Lapaxeiro faz-me lembrar o Carlos Tê do Rui, se soube-se ter "vós" e "têm" e se soubesse tocar viola e "sabe", o susseço era dele. Isso ele também tem mas é esse susseço do trabalho, sem televisão como nós. O Mundo é mesmo injusto. Mais vale ás vezes ser feliz do que ter essa doença cujo nome ainda não consta, susseço. Tinha saudades de falar contigo.

Anónimo disse...

Neste registo, porventura?.. menos histórico?.. e quiça? mais prosaico?..., Changoto insiste na qualidade, sem abandonar o espaço socio-cultural com o qual temos vivido em outras "Nossa Fala", o que em resumo personifica, os Xendros que somos nós, estes a quem a basagueda dÁ DE BEBER. Concordo contigo, ás vezes o ditado esquece a cedilha que é nossa que só nós ainda gostariamos de colocar, que tantas vezes ousamos pensar, mas que só agora reparamos, neste nosso egoismo, que não foi colocada. Ás tantas quem sabia mais de nós do que todos, soube ainda antes, essa vontade, logo registou há muito tempo para sempre. No entanto gosto mais do tudo se transforma de "Lavoisier".

Se tivesse que encontrar uma moral sobre a disputa entre o anjo desavindo, e Nosso Senhor, seria:

Podeis deixar que os mais sábios escolham primeiro, mas não deveis permitir que alguém escolha por vós a não ser que seja Nosso Senhor.

Anónimo disse...

Sim ou não, resolve muita coisa, basta faze-lo, com essa distância do infen, ás vezes não temos capacidade, para o não, evitamos, dizer, detestamos ouvir, é terrivel, não gostamos. Basta não acreditar, convêm, sentir, saber porque. Sentir a nossa cabeça, sem caramelos, aquela parte do nosso, que só nós conseguimos, resolver. Estou a ouvir Rádio Macau, às ordens de ninguemn...Diz ela.

Anónimo disse...

Eu as vezes, acento os àses, e isso é mau. Porque isso não é nada. Logo isto não existe, mas ela ainda se chama Belmira e eu ainda sou o gajo com capacidade de fazer alguem feliz, mesmo que a minha felicidade, tenha que ser orientada por mim, nesse caminho! Não. Eu um dia juro vou ter sorte, conheco a minha culpa, mas vou olha-la nos olhos, e ela vai sorrir, com, desdem, um dia uma gaja vai rir outra vez, com piada e desdem. Nem que seja, tipo a tua cadeira tem roda 28, e eu só tenho 26.

Anónimo disse...

Peço desculpa. Na verdade fica-me mal, mas continuo na mesma musica, que é muito boa,. só que para mim original era mesmo de vermelho, quarta feira, tenho um "cascol" é parecido, o nome, mas esse não joga contra "nós" é de outro clube.

Anónimo disse...

Olha o pratitamem, voltou das férias. Vem inteirinho, tal e qual.