quinta-feira, janeiro 19, 2006

A NOSSA FALA XLIII - ENCRENCAR

Em cada aldeia deve haver um homem assim - sim, refiro-me apenas a eles. Um homem sempre pronto a dar à língua, a meter o bedelho em tudo o que não lhe diz respeito, cuscovilheiro (não constava no meu dicionário, não sei se a grafia é esta, mas deve entender-se com o mesmo significado que habitualmente se atribui a certas mulheres e - sinais dos tempos modernos - também a alguns homens), gozão, malino, desconfiado, provocador, convencido, uma espécie de torgalho, mas refinado. Avelino Falabarato era um desses. Um dos melhores sítios para o ver em acção era na sessão de sueca da tarde de domingo. Não importava que estivesse a jogar ou de fora, era certo e sabido que ele encrencava a jogatana e o resultado era sempre o mesmo: valentes discussões que divertiam uns e exasperavam outros. Tudo porque o outro não jogava as cartas que devia ter jogado. Irritante para todos era a sua maldita balda para desconversar e para dar um sentido maldoso às palavras.

Quando um dos seus compinchas se despedia era inevitável ouvi-lo:

- Já vás? Anda vai e vem qu’inda m’aqui agarras.

Havia os que já lhe conheciam a faceta e nem ligavam. A maioria, não apanhava o sentido, e ainda que atento, raramente o visado levava a mal. Uma vez, o Alfredo Mamanaburra levou, e não foi de modas: deitou as mãos à portinhola das calças de fazenda do Falabarato e... apertou com força, como quem espreme os tomates para fazer a tomatada. Avelino teve de aguentar a dor e a galhofa das testemunhas. Quando era ele a despedir-se lá vinha:

- Atão vá! Já me vou qu’hoje vou a dormir com uma mulher casada.

Em situações raras, tinha boas tiradas como aquela no casamento de um sobrinho em que o 4º quente da ementa era cozido à portuguesa e a senhora de decote generoso lhe encheu o prato de cenouras.

- Ó mnha senhora! atão vomecêi cuida que eu não tenho cenoura? Ande tire lá isso que já tenho que chegue.

- Olhe que dizem que faz bem aos olhos…- quis ela ser ingenuamente simpática.

- Pois, está bem! Mas ande que eu vejo bem a carne…

Sempre que apanhava um novato no grupo, desafiava-o para a aposta habitual. Mostrava-lhe a mão fechada, assim como que a jogar à moedinha e atirava:

- Tu queres apostar a todo o dinheiro de nós os dois juntos que eu tenho mais dinheiro aqui na minha mão do que tu?

O outro, se calhava ter a carteira bem recheada, e calculava que seria impossível o Falabarato conseguir guardar numa mão fechada a mesma quantia, atrevia-se:

- Olha que perdes! Vamos lá atão a ver.

Triunfante, o Falabarato exibia uma moeda de 1 euro e perguntava:

- Eu tenho aqui 1 euro. Mas é meu, tu não tens dinheiro nenhum teu aqui na minha mão.

Naturalmente, a aposta considerava-se saldada se o perdedor pagasse uma rodada.

Doutra vez, arranjou um sarilho com a Lurdes Malagota que vinha da horta com um caldeiro cheio de cabeças de nabo na molídia e o Falabarato não resistiu:

- Ó Lurdes, os teus nabos parece que não são lá grande merda. Os meus é que são bons. Olha, eu tenho lá um nabo que tem talo no grelo.

A Lurdes não a apanhou, mas o homem dela sim. Valeu o Feduchas que se pôs no meio e convenceu o ofendido que o Falabarato estava a brincar.

- Ele que vá a mangar c’a puta qu’o pariu, ora o filho dum corno.

Eram conhecidos outros jogos de palavras da mesma laia que o Falabarato gostava muito de usar, provavelmente desde que comprara uma cassete do Leonel Nunes na Senhora do Incenso: ele era “o meu feijão verde tem fio”, “ a minha uva tem cacho”, “a minha couve tem talo no olho”, ou “o bacalhau tem rabo”, etc.. Um malabarista da palavra, o Avelino Falabarato.

Mas aparece sempre um mais esperto. Um dia, ia ele a caminho da vinha armado de tesoura e serrote para a poda, no coldre de cabedal enfiado na correia das calças, passa pelo chão do Moca que estava armado de guilho e marreta a rachar lenha. Vira-se o Falabarato:

- Ó Moca, dou-te 20 euros se me venderes aí o monte da lenha.

O Moca olha para as 3 toneladas de lenha de azinho, sorri para o brincalhão do Falabarato e responde:

- Se me deres os 20 euros, sou capaz de te vender a lenha.

Avelino Falabarato ficou surpreendido com a oferta, mas não podia voltar atrás. Agarrou na nota de 20 e passou-a para as mãos do Moca.

- Pronto! Negócio feito, vou já a buscar o meu ratatau e ainda levo hoje a primeira carrada.

- Levas o quê? Tás parvo ó fazes-te? Eu disse que aceitava os 20 euros para te vender a lenha, não disse quanto é que queria por ela.

- Ai o rai! Já m’encrencaste!

18 comentários:

Anónimo disse...

Ó Karraio dou-te vinte euriós, se descobrires quantos comentários vou fazer seguidos!

Anónimo disse...

Enganete, é só mai este, eh eh.
Tens andado um bocadinho na balda, já tinha saudades de um Post teu Karraio.

No que respeita a jogos de cartas, o amigo Kóia dava um belo sucessor do Avelino Falabarato, não achas? Belo Post, um OK pra ti.

Jorge Portugal disse...

Amigo Karraio, só uma achega, experimente procurar em "coscuvilheiro", assim, com o "o" e o "u" trocados.

Já agora fica também aqui um link que pode dar jeito em futuras dúvidas de grafia, eu uso amiúde:

http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx

Um abraço.

Anónimo disse...

Nalgumas paragens também conhecido por CB.

Anónimo disse...

A propósito desta jogos de palavras, com certeza que o mais conhecido, e que todos já terão ouvido, é "o bacalhau quer alho", porque é o melhor tempero...

Anónimo disse...

zzzzzzzzzzzz.

Anónimo disse...

grrrrrr

Anónimo disse...

ggrrrrrrrrrrr.

Anónimo disse...

A última do bacano, foi eu é que sei, e esses 50 nunca me "disseram" nada. Como é que pode ser, meu Amigo. Há muitos, Silvas, ainda há espera do ok pra ti. Mas tu és assim. "Quaze", mesmo, treta quantica, eu sei que eu é que sou assim. Mas em "Liberdade".

Anónimo disse...

Lapaxeiro prá qui, Lapaxeiro pra lá, eu voto aqui e não pode ser lá. Nunca na vida vi, tão lindos candidatos, Boto aqui boto além, não boto em nenhum, pra não maguar ninguem. "Posso"? O Silva não necessita do meu voto. Nem os outros. O Povo è soberano. Há vinte anos "éra" doido agora, por muito que nos doa, é soberano.25 de Abril Sempre.

Anónimo disse...

Amigo Lapaxeiro, por via da "poesia" da treta, aconselho pelharanca.

Anónimo disse...

E os outos. R.

Anónimo disse...

Pois! essa de proibirem os galheteiros do azeite e do vinagre em que a gente deitava à vontade, não me parece grande ideia. Para já, dá cabo de algum mercado local, porque os restaurantes vão ter de comprar o azeite às empresas com sede em Lisboa ou em Madrid que lhes vendem a saquetas. E o azeite que lá metem...há-de ser o que lhes dá mais jeito. Ganha-se em higiene, perde-se em qualidade. E o "nosso" azeite? o que é mesmo de azeitona da portela, da saramaga, do carregal?
Olha! mete-se nos carros...

Anónimo disse...

As coisas ou se dizem comédado ou fica o negócio empatado. Vem isto a propósito de um campeão que aqui inicia uns trocadalho do carilho numa de tentar uma mudagem de linguança, mas fica-se só pela amostra. Faz lembrar o outro que não conhecia os pássaros porque só lhe mostravam a cabeça!...
Vamos lá acertar agulhas: "Conquentão brochelência comprou um fato novo! Ficará-lho bem, ficará-lho mal? Cabrão-lhe as mãos nos bolsos? Não lhe cabrão? Invaginemos que lhe acrescentamos um metro de pano!
São coisas que aconatecem!
Co-lhão-de fazer?
ou então estoutra:
Com a maior brevidez e rapidade pedi que me trouxrssem um bafé e um cagaço,mais um carião de limoca. Que mos pusessem na meseira de cabecinha, a mim que sou de sacavide concelho de moscavém.
Há muitas mais mas agora ficamos por aqui...

Anónimo disse...

Ainda alguém se lembra do sumás de ananol que trazia a caranha do homem arica?

Anónimo disse...

Ó rei da Àsia, daz-mia tua irmã ou nao dázia ?

Anónimo disse...

Karraio, uso o seu post (indevidamente e, por isso, desde já me penitencio) para o informar que o Oliveira lhe respondeu.
e o post que tinha a mosca (ainda tem) foi escrito sob a influência (deturpada) do que leio no baságueda.

Anónimo disse...

aliás, cheguei a ter intenção de o oferecer a V. Exas., mas achei que era um abuso e não o fiz.