domingo, junho 06, 2010

A NOSSA FALADURA - CLIV - COGOLHO

Há alturas da vida de uma pessoa em que parece que tudo está do lado contrário.
Na sua sabedoria mais que milenária, sem direito a fidedignidade, mas nunca desprezízel, o povo, essa massa anónima de que todos fazemos parte, mas em que uns mamam à frente e, por isso, empurram os outros para a teta traseira, o povo, escalpeliza superirmente: uma desgraça nunca vem só, ou, não há duas sem três, quando um diz mata-se, o outro diz esfola-se, ... e por aí fora.
Vem isto a propósito do facto de que já há muito que andava para voltar a comunicar convosco no basa.
Hoje, embora a contratempo, arranjei um nico de tempo. ..
Vamos ver o que sai...
Tenho andado tão atarefado que o cogolho do meu pensar, coitadinho, só pensa em trabalho...
Nem vos conto... e tão pouco a vós vos interessa. Citemos De Gaulle: "François, François, desémerde toi." ou mais prosaicamente, como aquele velho professor de francês que nunca usava dicionário, e, quando não sabia , desenrascava-se e, se queria dizer que as peras tinham manchas, logo arrematava : "ces poirs ont des piques". Mainada.
A figura do Regedor desapareceu da administração pública portuguesa. Figura respeitada, autoridade reconhecida, o Regedor era uma espécie de inquisidor mor, que decidia do que era lícito ou não e a quem muitos recorriam quando se sentiam lesados nos seus direitos, mais que privados, em termos de propriedade. O Regedor dava voz de prisão ao acusado e a GNR vinha com o jipe levar o presumido culpado até instâncias de justiça superiores.
Assisti a muitas "prisões" na Aldeia. Aliás, as manas catatuas, enfermeiras que eram em Penamacor, tinham sempre medo dos Domingos, porque os "homes" de Aldeia arranjavam sempre forma de lhes estragar o fim de semana. E elas eram de Aldeia.
Verdade se diga que a sanha domingueira dos xendros era habitual: quantas vezes vi eu um de sacho e outro de podão, um atrás do outro, a correr pelo cavacal acima ... e outros a tentar apaziguar de longe?
O Melro, por causa da água de um poço de meias que tinha como cunhado, Zé Pateta, muito parecido so seu geringonço andar com Domingos Perdido,o Pangalum, correu o Cavacal todo até ao Ribeiro Cimeiro com um foição pra o ,dizia, "esgadanhar" todo.
O velho Estopa, sogro dos dois, coxo, dava à nalga quanto podia para ver se evitava uma tragédia...
Pateta conseguiu entrar na loja, trancou-se por dentro e o Melro verberava palavras intraduzíveis , quando o Estopa chegou e começou a atentar, de longe, o Melro.
A raiva do Melro era tal, que se foi ao sogro e, literalmente, o espojou no chão e lhe disse " vomecê no se meta, cossenão eu no repondo por mim e fica a sua filha sem home e o cemitério com mais um habitante..." Foi aí que chegou a filha de Estopa e mulher de Melro:" O home, tu vê lá o que fazes... olha os nossos filhos... "
Eu vinha a passar com o inefável carrinho do gás ,vejo o alvoroço no canto do Bolas, chego-me e depressa vejo o que se passa...
"OH Melro, tu és maluco ou quê. ? Tu até nem tens horta naquele chão, para que raio queres tu a metade da água?! « Queria regar umas estacas e este cabrão do meu cunhado nem o cogolho da pia me deixou no fundo do poço.» " Espera aí: "OH Pateta, abre lá porta que havemos de conversar." O gentio já era muito e o Pateta afoitou-se.
Ali mesmo ficou esclarecido e jurado que o Pateta, durante o fim de semana não tocava na água do poço, salvo se fosse para matar a sede. Mainada
Domingos Aranhiço, Guarda fiscal reformado e a exercer a funçao de Regedor, chegava então ao local da contenda. Quis saber de tudo mas já eu e Melro vínhamos caminho da Rosa. Bebemos um copo, Melro mandou o foição pela mulher e acabamos a jogar ao fito. Foi lindo. Até pareci um Regedor...
Era assim a Aldeia nos Domingos de há 40 anos...
Figura indelével da matriz xêndrica foi SALAZAR, sempre ilegal nos carros, sem carta, matrícula diferente atrás e à frente, altifalante no cimo do tejadilho e um sem número de caixas de discos cassetes e fios, para além dum fogão pequeno e toda uma panóplia de aparelhos com que animava as festas da região. Eu e Toco Jabão bifámos-lhe o Proudy Mary do Ike and Tina Turner... Gastamos agulhas sem fim a ouvir esa fabulosa música no gira discos de Jabão... Outros tempos.
Volvamos a Salazar: Chquim Gonito copmeçou a ver as saladas (alfaces) a murchar e estranhou o facto porque a terra estava sempre bem regada. Desconfiou de lagarta ou ralo, mas , a mulher , um dia, ao enregueirar repara que as alfaces não tinham cogolho... As folhas de fora largas e no meio nada... Continua a ver e verifica que o cogolho tinha sido cortado. Gonito nem queria crer....
O tempo estava quente, trouxe uma jaqueta e escondeu-se junto à casa que foi do velho Freitas: lá vem o Salazar de navalhinha em punho e balde de plástico a cortar o cogolho às alfaces. e ruminava: " num vejo um corno" !Gonito salta de lá ,: "anda que pra te prender só preciso do outro",amargulha" as trombas do Salazar, ata-lhe as mãos com um cordel e chega-se à porta de Aranhiço com Salazar e a prova do crime.
A custo, Aranhiço lá vem, inteira-se do crime, confirma a identidade e diz:« olha lá Chquim, ficas bem com oitenta mil réis que este cão te vai pagar pelo prejuízo.?» " E quando é que os vejo"?, » «Amanhã, antes de missa, quero os oitenta mil réis cassenão vais dormir a Penamacor.» Salazar tinha muita festa para animar e não teve como não aceitar a sentença. Gonito ficou sem algumas alfaces mas com oitenta mil réis que era a jorna de dois dias do seu ofício de pedreiro.
Assim mesmo .
Sempre vos digo que o ser humano obedece, aceita, até exige a autoridade, o que ele não tolera é o poder, a prepopência, a tirania, a imposição, a intolerância... Um dia falo-vos disto.

XXXXXXXXXXXXIIIIGGGGGGGGRRRRRRRRRAAAAAAANNNNNNNNDDDDDDDDEEEEE

2 comentários:

Zé Morgas disse...

Belo Texto. Isto sim, é leitura com divertimento.
Cogolho, quantas vezes ouvi essa palavra dita pela minha avó.
SALAZAR. Foram inúmeros os bailaricos que "abrilhantou" em Penamacor. Fosse porque motivo fosse, era sempre animação garantida.
Como ainda recordo o bailarico realizado na Casa do Povo, no dia em que a minha turma cumpriu a antiga tradição, visitando todas as casas do elementos que passaram no exame da 4ª classe, de cantar o "Viva O Professor..." seguido de estrondoso "Vivaaaaaaaaaaaaaaa".
Foi também nesse dia, a caminho da Monteira,( piscina olímpica natural) na ribeira dô Pégo, que fumei o meu primeiro cigarro.
Final de Junho, ou princípio de Julho do ano de 1971 do século passado. Professor Serrano, creio que foi por esta data, a realização dos exames.Corriga-me por favor, se eu estiver enganado.
Abraço a todos.

António Serrano disse...

Para além de (re)manifestar o meu agrado por me serem proporcionados tão belos textos em que se fala de uma Aldeia do Bispo que já não existe, mas cuja memória é preciso preservar - e os Irmãos fazem-no com Saber e Arte - alegro-me também por encontrar o sempre bem disposto José Salgueiro Cunha de Almeida - o seu nome completo, pois!!! - que conheci ainda Menino e é hoje Homem de Bem.
Agora a resposta à pergunta que me foi posta: os exames da 4ª. classe, nos anos 60 passaram a ser realizados a partir de 1 de Julho e os Alunos de Penamacor eram sempre os últimos a responder à chamada, eventualmente nos dias 11, 12, 13 e 14 - um dia de prova escrita e 3 para as orais.
Essa do cigarro para festejar... Mas quem é que não foi Garoto?!
Bem hajam, Manos!