quinta-feira, fevereiro 14, 2013

A NOSSA FALADURA - CXCII - RABUGE(M)



Consta que o General  norte-americano, George WASHINGTON, ao ouvir alguém dizer: “o hábito é uma segunda natureza”, teria comentado de imediato:« ele vale dez vezes a natureza». Fácil nos é reconhecer que somos animais de hábitos, ou se quisermos, de rotinas. Somos mais autómatos do que conscientes e muitas vezes só nos damos conta das nossas asneiras quando algo as perturba. Doutra forma, mantemos aquele ram ram onde nos sentimos cómodos, recusando-nos, sem o notarmos, a pensar que pensamos pelas nossas cabeças, alinhando num carneirismo semi-automático.
Sirva de exemplo a famosa frase feita, repetida por todos os aficionados da bola : “a bola saiu das quatro linhas”. Todos sabem, porque isso se aprende bem cedo no percurso escolar, que o rectângulo é uma linha fechada, com os lados paralelos dois a dois e formando entre si ângulos rectos. Então se sabemos que é uma linha, porque raio dizemos que a bola saiu das quatro? Simplesmente porque não pensamos. Vamos com os outros e repetimos tal qual um psítaco.
Aceitamos de bom grado que o homem é dual, composto de corpo e alma, ou, se preferirmos, de matéria e espírito. Não sei se a analogia é tirada da observação de uma qualquer bebida gasosa que, quando o gás desaparece, dizemos que está morta, que não tem espírito. A alma será assim gás, bafo, ar, vento. Não é por acaso que na pia baptismal o oficiante, depois das renúncias a Satanás (o espírito mau) , sopra sobre o neófito e ordena: “sai deste corpo espírito maligno e dá lugar ao Espírito Santo vivificador”. O Espírito é um sopro, é vento, gás. Não é verdade que chamamos PNEUS às rodas dos carros? Porquê? Pela simples razão de que os enchemos de ar, vento. É pela mesma razão que enchemos de ar os nossos pulmões e que eles são afectados por doença grave, dizemos que se trata de uma Pneumonia. Sem pretender erudição descabida , sempre vos digo que em grego o sinal da cruz se diz (vou transcrever) : EN ONOMA TU PATRÓS, KAI TU UIÓS, KAI TU PNEUMATOS AGUÍU.
Aceitamos pacificamente, porque a matriz ocidental marcadamente judaico-cristã assim no-lo deu a mamar, numa cultura de inconsciente colectivo, que a alma é imortal e que o corpo é mortal. Da verdade do corpo morrer não se admitem objecções porque o que é evidente dispensa demonstração, mas já quanto à imortalidade da alma, a evidência não existe. Aí, damos lugar à crença, ou, mais correctamente, à Fé. Acreditamos ou não, e pronto. Verdades de Fé não admitem discussão. «Crer é morrer » gritava já Fernando Pessoa.
O mesmo se passa com a Trindade: ao ouvirmos este termo, logo pensamos na Santíssima Trindade, marcados que estamos pela matriz cristã/católica. Não é contudo, líquido que sempre nos queiramos referir a esse mistério. Já ouvi chamar trindade aos triunviratos romanos, por exemplo, e na brincadeira todos falamos nos três da vida airada- cocó, ranheta e facada - , mas onde queremos chegar é a uma outra trindade: aquela que, ao fim , motivou este deambulatório discursivo - a trindade cosmoteândrica -, ou se gostarmos mais teantropocósmica. Afinal o nosso pequeno universo acaba por ficar enquadrado nesta trindade - deus, o mundo e o homem. O que nos rodeia tem a presença destas três forças. Mesmo os ateus crêem e, ao crerem, são também crentes, embora não nas crenças mais comumente aceites. Há sempre algo que escapa ao desejo incontido do homem tudo querer saber e conhecer, para depois prever e controlar... Por comodidade consideraremos essas forças ignotas como divinas, ou, no mínimo, transcendentes, já que escapam à nossa imanência.
Sempre, na aldeia xêndrica, houve quem bebesse acima da média e muito mais acima do aconselhável. É difícil inventariar todos e, mais difícil, eleger um. 
Hoje trago o Chquim Modas. Na adega não usava copos. Preferia umas latas de conserva de litro a que mandava por umas asas num dos latoeiros da aldeia. O mais requisitado era o Tonho Aranhiço, que também lhe arreava assim comédado. Quando andava uns dias mais tocado, chegava a casa e pedia à mulher que lhe cozesse uns nabos com cabeça e folha de mistura com umas batatas e uma cebola aos cubos. Escovava a água , temperava com azeite cru e comia tudo à colher "por mor da rabuge". Dizia-me ele, quando lá ia levar uma bilha de gás no mais que famoso carrinho quadrado: « se um dia acordares com a boca seca arrefinfa-lhe esta espécie de caldo e vais a ver que a rabuge vai-se logo e depois já lhe podes voltar a chegar».
Fica aqui a mezinha. Não sejais incrédulos logo à partida. O velho Kant insistia: "Ousa pensar por ti próprio". Eu parafraseio: ousai experimentar! Nos vos ficai apenas pelos lugares comuns.
XXXXXXIIIIIIIGGGGGGGGGGGGRRRRRRRRRAAAAAAAANNNNNNNNNNDDDDDEEEEE

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